O exercício mais básico de animação é a bouncing ball : animar uma bolinha pulando.
Literalmente básico. Já que a unidade mais fundamental do universo, a mais forte, a mais sensual, é ela:

Os animadores, criaturas inquietas, colocam a esfera em movimento. Nasce a bolinha saltitante. Poético.
Mas essa bolinha, apesar de tão básica, não raro passa como mero exercício e é deixada para trás.
Os ótimos animadores nunca esquecem dela, e seus princípios transparecem em suas cenas.
Mas ninguém nasce ótimo.
E a maior parte dos animadores está ocupada demais com tudo que precisam acertar: as poses, as silhuetas, os arcos, antecipações, overlap, constraints etc etc etc.
Por isso, o que mais se vê de animação por aí é meramente..
“Bom o bastante”
Todo animador já teve um momento em que sua cena funciona, seus amigos e família acham que está super legal, mas seus colegas animadores dão aquele olhar de ‘é.. tá OK’.
Eu trabalhei um bom tempo produzindo com prazos ínfimos a partir de captura de movimento, e sentia que tudo o que eu produzia nunca era ótimo. Era apenas “bom o bastante”.
Mas eu sou chato e queria ser ótimo.
Durante um curso, um ano atrás, na iAnimate, eu comecei uma cena. Eu até tinha tempo e queria que ficasse ótimo. Mas reparei que já nem sabia como. Meu olhar estava viciado no “bom o bastante”.
Eu então eu vi a luz. Bem nesse vídeo aqui.
Trent Corey é um animador incrível. Desenha muito, então ver que ele começa sua cena com “rascunhos” não foi surpresa.
Mas aí eu vi como ele faz o blocking: é uma bolinha saltitante, no 3d, que sozinha já tem vida: transpira energia, intenção, emoção!
Aí reparei que se você pode dar vida a uma bolinha saltitante, você pode dar vida a qualquer coisa.
Rumo ao essencial
Um personagem simples tem: quadril, peito, cabeça, duas pernas e dois braços. Já são sete coisas te pedindo atenção.
E aí, por onde começar, pra onde ir?
Dá pra cortar essa dúvida deixando apenas uma coisa pra olhar.
Simplificando, você entra em contato com o que é mais essencial.
E se você está mais próximo da essência, você pode mexer onde importa.
Alterando coreografia e ritmo com a ajuda da bolinha
O fácil é medíocre
Quando um diretor fala ‘esse personagem tem que ser feliz!’
A coisa mais fácil é jogar um sorrisão.

Tente com si próprio: pareça feliz.
Agora segure o sorriso e tente de novo. Você sente o corpo procurando formas de expressar isso? O pescoço cresce, o peito se abre…
Se você andar assim, provavelmente será mais leve e confiante. Mesmo sem um sorriso, ou mesmo sem a pose, vão saber que você está feliz.
O movimento fala.
E isso é que mais importa aqui, é o que importa para nós animadores.
Como o movimento conta uma história!
Buscar essas soluções é menos óbvio, é mais difícil. E por isso mesmo, é muito mais interessante.
Cada bolinha com sua história
Keep it simple
Conhecia um animador que sempre se preocupava com detalhes, enquanto a essência estava fraca.
Mesmo recebendo orientações pra focar no que importava, esse cara seguia se perdendo. Era só o supervisor pedir uma pose mais forte que já pintava o receio de mexer em algo e piorar o que já está lá.
Esse cara era eu.
Trazer de volta a bolinha saltitante, fisicamente, se provou uma maneira de desenvolver mais rápido o olhar crítico.
Ela torna mais fácil sentir o que se pode melhorar. E há menos receio de forçar a animação pra lá e pra cá, de explorar.
E a cena roda mais rápido com uma bolinha.
Então abuse dela pra fugir das distrações: esqueça aquele cotovelo atravessando a malha, aqueles dedos retorcidos, aquele pé ficando pra trás, aqueles olhos vesgos.
Isso tudo te rouba atenção, te tira o foco.
Já a bolinha é impassível.
Mas ela é sua amiga. Aceite sua ajuda.
Usando a bolinha para transformar mocap ruim em algo mais interessante
Um passo pra trás, dois pra frente
Pra quem começa uma cena do zero, é fácil, até natural, ter em mente a essência do movimento.
Mas com o aumento do uso de mocap, é exigido dos animadores uma boa maturidade no olhar – saber o que usar e o que jogar fora. Coisa que vem apenas com o tempo.
Aí introduzir uma bolinha na cena pode parecer acrescentar trabalho.
“Eu é que não tenho tempo pra isso.”
Você não tem tempo é de corrigir 30 poses num personagem de 47 controladores pra reparar que está com uma animação sem graça na mão.
É essa preguiça de dar um passo pra trás e ver o quadro geral que faz a maior parte da animação recente parecer genérica, sem vida.
Cada vez é mais fácil ter boas referências (mocap ou vídeo), e cabe ao animador passar a sua visão, colocar o seu tempero.
A bolinha é uma forma de você explorar mais rápido, ver os erros mais rápido, corrigir mais rápido, melhorar mais rápido.
Ela te ajuda a se desapegar de preocupações e ficar mais livre para ousar – e isso é muito bom.
E se você conseguir transmitir a emoção básica da cena com uma simples bolinha, isso vai tornar o resultado tão mais forte, e tão mais gostoso de assistir.
No fim é apenas uma ferramenta
A bouncing ball não é a resposta mágica para nada. Mas está a seu dispor.
Eu melhorei muito meu olhar voltando ao exercício mais fundamental da animação.
E já utilizei esse método com alguns colegas que estavam aprendendo e notei uma clara evolução.
É necessário ter em mente que é apenas parte do processo. Algo que pode ajudar e não deve tomar muito tempo. A bolinha é um atalho para o que é essencial, não um desvio sinuoso.
Por isso, eu voto pelo retorno da bolinha saltitante.
E os detalhes que fiquem pra depois.